sábado, 10 de abril de 2010

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Do amor como paixão e da codificação da intimidade. O meu título, a propósito, vem da tradução brasileira da obra de Niklas Luhmann, O amor como paixão: para a codificação da intimidade (Lieb als passion, 1982). Como em História das lagrimas: séculos XVIII-XIX (Histoire des larmes, XVIIIe-XIXe siècles, 1986), em que Anne Vicent-Buffault investiga a vasta literatura romancesca do período, para mostrar como as lágrimas, pouco a pouco, vão sumindo das páginas dos livros e da vida dos homens, conforme passa o tempo e conforme avança a... Modernidade, também Luhmann analisa o amor (no sentido do sexo, da intimidade) - que ele distingue entre amour, passion e amor romântico – em suas manifestações temporais, literárias, através de um vasto apanhado bibliográfico que, segundo ele, serve de fundamento para codificar as passagens históricas do sentimento amoroso e suas demonstrações, bem como o processo civilizatório/civilizador do flerte (affaire), do galanteio e do cortejo sério do que pede a mão da moça: ela em pé ou sentada, e ele de joelhos ou educadamente inclinado; ela pensando em jardins floridos e perfume pelo ar, e ele pensando em quartos escuros e intimidades. Como na vida real, o romance escrito, diz Jean Regnault de Sagrais (Les nouvelles françoises ou les divertissements de la princesse Aurelie, 1657), é mais frequentemente uma apresentação de galanterias do que uma narrativa plausível. E eu iria bem mais longe: como na vida real, o romance é uma história que se conta, que se inventa para dar alguma graça à vida, ou à sua Vontade desnuda que é feia, que mostra o que há por baixo da pele perfumada da mulher amada, do homem amado. Em O nome da rosa, que acabei de usar no texto anterior, o padre Ubertino, na tentativa de demover o jovem Adso do seu desejo por uma camponesa, com quem ele teve uma noite de amor – que seria lembrada com suores e saudades, pelo resto da sua vida –, diz, apontando para a coitada, prestes a ser queimada, acusada de bruxaria: “Tu a olhas porque é bonita. É bonita, não é? Se olhas para ela porque é bonita, e ficas perturbado (mas sei que estás perturbado, porque o pecado de que ela é suspeita torna-a ainda mais fascinante para ti), se olhas para ela e sentes desejo, por isso mesmo ela é uma bruxa. Toma cuidado, meu filho... A beleza do corpo se limita à pele. Se os homens vissem o que está sob a pele, assim como acontece ao lince da Beócia, sentiriam calafrios ante a visão de uma mulher. Toda aquela graça consiste em mucosidade e em sangue, em humores e em bile. Se se pensa naquilo que se oculta nas narinas, na garganta e no ventre, não se achará senão imundície. E se te repugna tocar o muco ou o esterco com a ponta do dedo, por que desejaríamos abraçar o saco que contém o esterco?” A mulher, aí, visão comum na Idade Média, é objeto de tentação constante; uma verdadeira arte do Diabo, embora seja feitura de Deus, segundo dizem os próprios padres. Quando comecei a estudar teologia, uma das disciplinas era sobre História da Igreja, e usávamos o livro clássico de Earle E. Cairns, O cristianismo através dos séculos: uma História da Igreja cristã (Christianity through the centuries: a History of the Christian Church, 1970). Aí há uma antiga ilustração de um monge que, tentado por uma mulher, que lhe observa, queima um dos dedos da mão na chama de uma vela, como penitência e fuga... Na mesma mão e na outra, porém, já não há mais dedos a serem queimados. É provável que, por tanto se preocuparem com a tentação, os religiosos, os moralistas e os pudicos de todos os tipos sejam os mais tentados; pois o Diabo sempre estará onde mais se acreditar que ele esteja.

Um comentário:

  1. Fala Patativas!!!

    Cara, teu texto é muito profundo, mereceria um comentário mais aprofundado, mas vou te dizer uma coisa: O que eu acho mais angraçado é a mijada (o chingão) que o frei Guilherme dá no velho Ubertino depois que ele fala aquelas merdas pro Adso!! Eu ria sozinho quando lia aquilo!

    Outra coisa: Interessante como o frei Guilherme aparece como "moderno" naquele contexto medieval. E ele fala muito no tal de... agora não lembro... Roger Bacon, eu acho, que era um cara já com certas visões que apareceriam somente no Iluminismo, relativas à razão, e tal... muito interessante...

    abraço fio!!!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo